A conexão do discurso com o entender e com a entendibilidade se torna clara a partir de uma possibilidade existenciária do discurso ele mesmo, a saber, a partir do ouvir. Não é por acaso que, ao não ouvir “direito”, dizemos não “ter entendido”. Para o discurso o ouvir é constitutivo. E assim como a prolação verbal se funda no discurso, a percepção acústica também se funda no ouvir. O ouvir alguém... é o existenciário ser-aberto do Dasein como ser-com para os outros. O ouvir constitui inclusive o estar-aberto primário e autêntico do Dasein para o seu poder-ser mais-próprio, como um ouvir a voz do amigo que Dasein traz junto de si. O Dasein ouve porque entende. Como entendedor ser-no-mundo com os outros, ele é, no seu ouvir, “obediente” ao Dasein-com e a si mesmo e, nessa audiência obediente, ele se torna dependente. O ouvir uns aos outros, no qual o ser-com se forma, tem os modos possíveis do seguir, acompanhar, os modi privativos do não-ouvir, do opor-se, do desafiar, do desviar-se.
Sobre o fundamento desse poder-ouvir existenciário primário, é assim algo possível como o escutar, fenomenicamente ainda mais originário do que se determina “de imediato” em psicologia como ouvir, ter sensações de som e perceber ruídos. O escutar tem também o modo-de-ser do ouvir entendedor. “De imediato” nunca ouvimos barulhos e o conjunto de ruídos, mas o carro que range, a motocicleta. O que se ouve é a coluna em marcha, o vento norte, o pica-pau bicando, o fogo crepitando.
É preciso uma atitude já muito artificial e complicada [164] para “ouvir” um “barulho puro”. Que em primeiro lugar ouçamos motocicletas e carros é a prova fenomênica de que o Dasein, como ser-no-mundo, mantém-se cada vez junto ao utilizável do-interior-do-mundo, e de modo algum imediatamente junto a “sensações”, cuja concatenação tivesse primeiramente de ser formada para que se proporcionasse o trampolim
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